2.9.06

Direto da Internet

Aqui na terra estao jogando futebol.. tem muito samba muito show de rock'n'roll. Mas o que eu quero lhe dizer e que o texto aqui ta certo. Ha muito tempo que eu quero lhe dizer: o Chico e mesmo grande poeta, e Xico sabe trovar pra mais de treta, viva a alma, mente e tesao.

A cronica e de Xico Sa, publicada no site nominimo. Enjoy.


Todas as mulheres de Chico

Ouviram do Ipiranga: "Lindooooooo, lindooo, lindu!"

Tres tipos de "lindo" ecoaram ontem a noite, insistentemente, as margens placidas do rio Pinheiros, na estreia de "Carioca", nova turne de Chico Buarque que, na contramao da ponte aerea, comecou por Sao Paulo.

O "lindooooooo" mais arrastado e devoto era das belas e solteiras afilhadas de Balzac. Mal Chico entoou os primeiros acordes de "Voltei a cantar" (Lamartine Babo, 1939), e elas, cabelos escovados nos bons saloes e roupas ainda cheirando a vitrines, ja se jogavam todas.

Um "lindooo" levemente mais economico era o silvo das bem mais jovens, poucas, alias, numa plateia, digamos, bem madura, folhas e folhas de calendarios. As raras gazelas viam pela primeira vez um Chico ao vivo. Algumas estavam com os pais; outras, raparigas em flor, faziam companhia a "tiozinhos" galas viciados num lolitismo sem culpa, como se o vico da pele fosse uma especie de "Cocoon" (vide o filme) d'alma. Acostumadas a shows em pe, para dançar, essas Renatas Marias esqueceram por uma noite o rock'n'roll e levaram para casa, beleza roubada pelas maquininhas digitais, os olhos verdes do cantor.

O "lindu" sincopado, quase um adulterio cometido com o leve bater dos labios, era o "lindu" de comportadas senhoras caidas sobre o peito de senhores austeros, austeros paulistas com cara de marido, diga-se. Gritavam e davam aquela olhadinha para conferir se estava tudo bem, tudo certo com eles. E Chico, meu bem, me perdoa por te trair, pareciam a dizer em sussuros imaginarios. Sem drama, aquele show era um prenuncio do mal, a promessa de felicidade mais tarde, eles sabiam que elas iriam fechar os olhos e pensar mesmo n'outro no leito, que mal faz uma vez e nada mais?!.

"Imagina" (Tom Jobim/Chico, 1983). Julia, a moça da mesa ao lado, uma mulher de 30 anos, vestes negras e emagrecedoras, perfume de quem saiu de casa com maus pensamentos, esvazia a taça de vinho e, temente aos ceus, sibila: "Que homem e esse, meu Deus!". A amiga, Clara ou Carla, nao consegui ouvir direito, so sei que ela faz cinema, indaga: "Fazia?" _de "fazer", fazer mesmo, que no glossarios dos amores liquidos de hoje significa mais ou menos o que você neste exato instante imagina.

Para cada lindooooooo, lindooo e lindu, um "uhuuuu" bem mais grave, aquele que sai, meio selvagem, com aroma mal-intencionado de prosseco italiano, da garganta profunda das belas moças. Como o grito de guerra constante de Maria Paula, a do "Casseta", carinhosamente abrigada no peito do fofo marido de linhagem Matarazzo.

Sim, muito "Chico, eu te amo" pipocando de todos os cantos do salao. "Palavra de Mulher" (de lavra propria, 1985) soa como um "sim" no altar naquela hora.

E so na vigesima primeira cancao, a lei mais explicita e almodovariana do desejo prevalece, impera e ganha voz: "Chico, eu quero dar pra vocee!!!" Finalmente a vontade coletiva de todas as femeas daquele ambiente familiar virava um desavergonhado manifesto escrito a batom e coragem.

"So voce que quer, e, minha filha!?", cutucou a amiga de cujos cantos dos labios escorria, desavergonhadamente, a bela baba de moça num cio inadministravel.

"Sua cadela!", provocou a terceira, uma bela renascentista, carne alva saltando de dentro das vestes. Como elas se divertiam! Que graca uma mesa de mulheres brincando com o desejo como quem pula jogo de amarelinha ou danca, de vestidinho sem nada por baixo, na chuva.

Os homens mantinham um respeitoso silencio, o silencio do ciume discreto. Quase como dissessem, em coro, um saudavel "com Chico, pode".

Sim, como estamos em Sao Paulo, tinha um japones atras de mim, como na vigesima quinta cancao, "Bye Bye Brasil" (1979), a do filme do mesmo nome. O japones, a mulher do japones e a linda filha do japones, que parecia saida das paginas de "A Casa das Belas Adormecidas", livro de Yasunari Kawabata. Naquela mesa não se ouviu um tipo de "lindo" sequer. "Uhuuu", idem ibidem, nem pensar.

No salao apertadinho do Tom Brasil, uma cadeira em cima da outra e garçons atrapalhando o trafego, pouca gente –lembrem-se, estamos na austera Sao Paulo-, arriscou um samba, um passo. Maria Paula, a moca que deixei la em cima desse texto nos braços de outro, ate que tentou inflamar o auditorio: "Vamos dançar, galeeeera, isso, dancem, dancem!".

Nao havia mais tempo para nada. Só para Julia, lembram dela?, tirar a sua milesima foto. Tempo para o ultimo "eu te amo, Chico", de uma botterinha, fofolete de tudo, que estava a duas mesas da familia japonesa. Tempo para as afilhadas de Balzac arrumarem os ja desalinhados decotes. Tempo para os economicos garçons me negarem um chorinho, uma lagrima,um breve latido do cachorro engarrafado. Tudo bem, Francisco no palco, durante todo o show, so bebeu agua, haja agua. Tempo para um homem triste de bochechas rosadas, jeito de quem acredita mais na bolsa que na vida, malha bege sobre os ombros, reprimir a sua alegre e elegante senhora: "Chega, que histeria e essa, Mônica?!"

Ai nso havia mais tempo para quase nada mesmo. Nem para a alegre senhora do homem triste de bochechas rosadas fazer papel de louca. Chico havia feito a sua parte. E as mulheres aplaudiram e pediram bis com labios de quem estavam a pedir outra coisa.


0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial